2 de julho de 2017

MicroEnsaioPoético: Manoel de Barros


Realizo a metáfora da fome.
Meu corpo é pão e água à espera de colheita.

Uma brisa cinzenta ocupa o instante
de quando o céu de azul se tinge

e o sol decresce às águas,
guiado pela cor de abelhas

ante o som novembral das confidências
segredadas ao meu olho.

Imagens moram baças.

De tanta luz desfeita, úteros
se ocultaram em nascimentos fúlgidos.

A densidade do choque se equilibra
pela transparência do estômago, no soco.

Minhas ventas têm mania de seguir o zênite
aos sonoros acordes quando dezembram.

Meu olho vai... deita-se largo em camas cegas,
carrega o rumor do tempo em asas feito flechas

desde o ritmo cadente do disparo ante o bravo
amparo do colo, despido em carne, caule e flor.

O murmúrio me alarga e se alastra pelo dorso
até o liquefeito azul de deus. Entes voantes

polinizam os sussurros, cravam dentes nos pés
erguidos aos muros​ de escanteios visuais

para, num sono de metáforas desguarnecidas,
meu olho ouvir o cântico outonal de vozes fontes

e servir de plantio ao gosto da terra
incrustado no desejo de ser horizonte.

Fábio Santana Pessanha

Referência:

BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 285.

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